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CAMÕES

I

Camões foi tam extraordinario por seo genio assombroso e transcendente, como por seo inexcedivel amor da patria, á qual consagrou os bellos dotes da intelligencia: do que devendo resultar-lhe favores e premio subido, só lhe-advieram infortunios, desterros e todos os males da vida.

Os primeiros biographos que d'elle se-occuparam e que, pela proximidade dos tempos, eram os que melhor nos-podiam informar de todos os successos que então lhes-fôra facil averiguar, tiveram mais cuidado em descrever-nos a extensa genealogia do poeta do que em illustrar-nos á cerca das particularidades essenciaes da sua aventurosa carreira, da qual omittiram alguns factos precipuos, tocando outros tam perfunctoriamente, que só nos-deixaram incertezas e conjecturas. — De quanto se-ha escripto sobre o auctor dos Lusiadas o que mais nos-desagrada é, sem duvida, o romance que

se-ha querido fazer da sua vida, em vez de se-tentar escrever-lhe a historia fundada no que póde deprehender-se e deduzir-se de alguns factos averiguados.—Houve, mesmo, un biographo que pretendeu exaltar Camões e defender os jesuitas; como se taes factos podessem jamais conciliar-se: ou foi ignorar o que se-passou na épocha nefasta do dominio jesuitico, ou querer adrede falsear a historia.O que, sobretudo, nos-parece inquestionavel é que Luiz de Camões não foi ainda devidamente appreciado, por o não ter sido á luz da historia e de uma critica investigadora e philosophica.

O mesmo biographo a que alludimos, querendo, como partidario da nobreza hereditaria, ingrandecer Camões com accumular ao merito litterario do poeta o que intendeu lhe-provinha de uma nobre ascendencia, escreveu que o homem novo, que se-illustra e innobrece, é digno de consideração egual á que se-presta áquelle que a recebe transmittida: preposição dos tempos gothicos que não merece hoje refutada.-Não seremos nós que tomaremos a gralha, revestida com as pennas do pavão, por aquillo que ella nos-pretende inculcar; fôra isso un grosseiro engano. Camões, illustre por si, pela alteza dos seos pensamentos, por sua nobre independencia, por seo grande amor da patria, e pelo odio que professava aos jesuitas e traidores que machinavam perdel-a, não carece de outros titulos que o-illustrem, e muito menos dos titulos vãos de uma nobreza artificial que só servem de impôr ao vulgo ignaro.

Quanto a nós, diremos simplesmente que foram seos progenitores Simão Vaz de Camões e Anna de Sá de

Macedo; vindo o poeta, por parte de sua avó paterna, Guiomar Vaz da Gama, a ser parente dos Gamas do Algarve; circumstancia em si de pouca monta; mas que, aliás, nos-releva registrar, por ser indispensavel ao que ao diante havemos de produzir.

A data do nascimento do poeta não nos-é directamente conhecida; mas tendo Manuel de Faria e Sousa examinado un registro auctentico em que se-continham os nomes das pessoas principaes, que, des d'o anno de 1500 passaram a servir na India, no qual se-acha exarado que Luiz de Camões se-alistara para o mesmo fin no anno de 1550, tendo então 25 de edade, não nos fica a menor duvida de que nasceu no de 1524.

Postoque o licenciado Manuel Corrêa, em seos Commentarios sobre os Lusiadas, declare ter Luiz de Camões nascido na cidade de Lisboa, ha hoje quem, fundado em documentos que inda não vimos publicados, assevere que foi Coimbra que lhe-deu o berço.-Nada, portanto, affirmaremos a tal respeito; mas quer-nos parecer que, se não foi em Coimbra que nasceu, foi seguramente alli que passou os annos flóreos da juventude, cursando os estudos da Universidade, que pouco havia se-reformara, e onde recebeu a instrucção litteraria e scientifica em que tanto primou e de que se-recorda com visivel saudade, quando, na estancia 97 do Cant. III dos Lusiadas, diz:

Quanto póde de Athenas desejar se
Tudo o soberbo Apollo aqui reserva:
Aqui as capellas dá tecidas de ouro
Do bacharo e do sempre verde louro.

II

Nenhun dos biographos de Camões nos-informa de quaes foram os estudos que elle cursou na Universidade. O senr. Visconde de Juromenha diz que é de crer que fossem os de theologia: o que não tem probabilidade alguma; não só pelo desprendimento que n' elle observâmos de todas as idéas theologicas a que natural mente devera ser afferrado, se taes houvessem sido seos principaes estudos, senão porque claramente vemos que foram as sciencias naturaes, a philosophia, a cosmographia e a historia a que especialmente se-applicou, e em que adquiriu profundos conhecimentos, a que junctou outros muitos em todos os ramos de litteratura.

Já vimos a que auge de progresso haviam chegado os conhecimentos humanos nos principios do seculo XVI, e quaes, portanto, os recursos que d'elles podia tirar o genio superior e transcendente de Luiz de Camões. A renascença, que por toda a parte expandia

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